sábado, 10 de março de 2012

O ANZOL DA PALAVRA

O anzol da palavra (“Cadê o toucinho que tava aqui?”)
Nivea Moraes Marques


A água bebeu o boi
O boi subiu na cerca
A cerca espantou o dia
O dia despencou da escada
A escada suspeitou da esperança
A esperança julgou o tempo
O tempo pediu licença-prêmio
Licença-prêmio não é penico!
O penico mora debaixo da cama
A cama cola nas costas do preguiçoso
Preguiçoso é o colarinho do palhaço
O palhaço nunca vai cuspir marimbondo
Marimbondo roi a paciência do mundo
O mundo não tem fita métrica
A fita métrica não sabe tabuada de três
A tabuada de três é sinônimo de estrada
A estrada corre sentada
Sentada é a pose do Buda
O Buda inventou a barriga
A barriga atrai formiga
A formiga vai de sombrinha pra escola
A escola tem um trato com as férias
As férias constróem castelos de vento
O vento reclama da poeira
A poeira entope as lágrimas
As lágrimas corroem esterco
O esterco lambuza a rosa
A rosa é senhoria do espinho
O espinho não gosta de sangue
O sangue coagula tristeza
A tristeza aduba mangueira
A mangueira serve de balanço
O balanço fabrica o galo
O galo chupa gelo
O gelo gosta do roxo
O roxo não está na bandeira
A bandeira pede mastro
O mastro é parente dos piratas
Os piratas dão de presente a lua
A lua não brinca de pula-carniça
Pula-carniça é antiguidade
A antiguidade sabe das coisas
As coisas se guardam em baús
Os baús inventam ruídos
Os ruídos caçam fantasmas
Os fantasmas falam demais
Demais é verbo sem flexão
A flexão comunga com a diferença
A diferença é igual a existir
Existir fabrica passarinhos
Os passarinhos rabiscam as telhas
As telhas têm medo de altura
A altura foge de edifícios
Os edifícios nunca viram um caranguejo
O caranguejo dança ciranda
A ciranda é comadre de São João
São João prefere o inverno
O inverno caducou na primavera
A primavera arrasta grinalda
A grinalda é o coletivo de noiva
A noiva tem gosto de glacê
O glacê não comemora aniversário
O aniversário é sempre atual
Atual pede carona pro hoje
Hoje perdeu o relógio
O relógio não serve pra nada
Nada está sempre com fome
A fome foge da igualdade
A igualdade tem muitos irmãos
Os irmãos sobem a montanha
A montanha acredita em Deus
Deus não discute com a pressa
A pressa engole a língua
A língua quer ser cantora
A cantora belisca o coração
O coração gosta de ilusão
A ilusão não usa óculos
Os óculos têm fronteira
A fronteira reparte os cabelos no meio
Meio fica entre o começo e o fim
O fim se mete em tudo
Tudo não tem limites
Limites: utilidade das mães
As mães tecem o mar
O mar salgou a água
A água o boi bebeu.

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