domingo, 11 de março de 2012

CORSO DE PINHEIRAL

CORSO DE PINHEIRAL
Nivea Moraes Marques



Pelas estreitas ruas de chão batido de Pinheiral passavam em procissão os carros, carroças e carruagens.

À medida que as marchas dos carros iam ficando cada vez mais lentas, melhor a voz das mulheres e dos homens se decodificavam pelos alto-falantes e se ouvia sem cessar o “Abre-alas que eu quero passar”.

Júlia era uma menina pequena, cor-de-bombom de caramelo cariado, seus péizinhos estavam protegidos por pequenas e delicadas sapatilhas e a mãe havia preparado com cuidado os pompons e babados de sua fantasia de bailarina.

Davi era um menino menor ainda, do tipo branco amarelo-envelhecido (barroco), Usava sandálias de Romano e estava abraçado ao pescoço de seu pai.

Ambos olhavam o desfile, quando começaram a achar tão curioso o vestir de cada qual.

Júlia mirou cada pedaço da fantasia de Davi e Davi foi direto aos olhos de Júlia, como eram lindos e negros, tão negros a mel.

Júlia fingia não perceber o interesse de Davi e prestava uma atenção de rabo de olho nas mãozinhas e nos pequenos braços tão apertados ao pescoço do pai. O pai de Davi era um moço lindo, olhos cor-de-amêndoa. A mãe de Júlia era uma verdadeira princesa do Zaire, negra, negra, negra quase marrom.

Os carros não cessavam o passa-passa e a multidão aplaudia uma Senhora de melindrosa com as pernas à mostra. Outra hora, eram as variadas buzinas as vedetes do passeio. E outras ainda eram os palhaços e suas golas e laçarotes enormes. (Graças a Deus já havia palhaços naquele tempo!)

Naquele tempo mamãe disse-lhe assim: “Júlia vá oferecer um pouco das pipocas que acabo de te trazer, veja como o pequeno Romano olha pra cá, deve gostar também de pipocas!”

Com muito receio de machucar aquele encontro de almas infantis, Júlia foi ao encontro dele e disse: “Você quer?”, Davi levemente corado falou: “Papai eu posso aceitar?”, no que seu pai respondeu: “Nada se deve negar a uma bailarina” e sorriu comovido pela cena singular que acabara de presenciar.

Davi, mesmo quase da altura de Júlia, esticou os bracinhos e entregou-lhe umas pipocas na boca, num gesto inesperado, ao que Júlia nem teve como recusar tão meiga oferta, mastigou com bastante força as pipoquinhas que iam fazendo estalinhos nos risos nervosos dos dois. Depois, então ela fez o mesmo com Davi e Davi repetiu o gesto e ela fez a mesma coisa novamente. Desse jeito, os dois curtiram o carnaval de 22 e aquele quase primeiro desfile de carros em alas e alas.

Carnavais como esse nunca mesmo, embora Júlia nunca mais tirasse a sua fantasia de bailarina e Davi nunca mais se esquecesse de como conquistar em sendo conquistado.

Talvez na Praça Onze as histórias fossem as mesmas, mas aquela cor cariada, aqueles olhos quase a mel, aquelas sandálias improvisadas por mãe e as palavras do pai só mesmo em Pinheiral, pontualmente às 19 horas de uma segunda-feira gorda de carnaval.

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